quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Doces Lembranças...Valeu, mamãe


Vera Longuini
veralonguini@ateliedanoticia.com.br





A coluna deste mês, se me permitem, será dedicada à minha mãe, Maria Helena, a dona Lena, ou Leninha. Deus, que a havia emprestado para nós, achou por bem levá-la de volta no dia 11 de julho. O sentimento não é de tristeza, mas de uma imensa saudade. Se já não posso, como fazia todas as manhãs, ligar para ela para perguntar-lhe como havia passado a noite e para lembrar-lhe: “Eu te amo, mamãe! Você é minha linda fofa.”, eu mando para ela todo o pensamento de amor.
Eu sou, e creio que falo por meus irmãos, eternamente grata por dona Lena ter aceito a missão de ser a nossa mãe nessa encarnação. Badolato, seu sobrenome, nomeia uma pequena cidade da Calábria, na Itália. Soma-se a isso o seu nascimento, em 10 de setembro, sob o signo de virgem. O que se poderia esperar de uma calabresa virginiana senão uma mulher extremamente rigorosa, tanto com a gente como com ela própria?
Quando crianças, sempre que éramos convidados para festas, nos obrigava a jantar antes em casa para que não avançássemos nas mesas de doces e salgados. Tinha sempre uma bronca pronta para nos dar, merecêssemos ou não. “Eu conheço os filhos que tenho”, dizia, com toda a razão.
Alguma vezes, tentava nos cobrar comportamentos moralistas. Tínhamos que dar o exemplo. Mas era derrotada pelas nossas brincadeiras e piadinhas. Restava-lhe somente nos lançar seu inesquecível olhar de reprovação por cima dos óculos.
Foi é a amada por muita gente, não apenas pela família. Nossos amigos a adotaram como mãe e a paparicavam até demais. Apesar disso, também sofreu. Das suas desilusões, creio, a mais dolorosa foi a amorosa. Nunca superou a separação e, em vez de dar-se a chance de experimentar e viver um outro relacionamento preferiu fechar seu coração e esperar que a vida se encarregasse de fazer-lhe as vontades. Conseguiu. Se valeu a pena, apenas ela poderá, um dia, nos contar.
Para sobreviver e sustentar principalmente a mim, vendeu tricô e crochê na Feira de Artesanatos, além de capeletis para a clientela amiga, mesmo depois de conseguir a sua aposentadoria. “Sempre foi uma guerreira”, a define a amiga Maria Beraldo. Se não foi perfeita, pelo menos deu o melhor de si: conseguiu superar-se como mãe, saiu-se muito bem no papel de pai e foi minha grande amiga. Se não lhe contei alguns poucos segredos, não foi por desconfiança. Foi somente para poupá-la. Havia coisas que eu queria lhe contar, mas, certamente, ela não gostaria de ouvir. Afinal, eu não sou a filha perfeita que ela gostaria.
Embora a dona Lena não tenha aprovado a minha decisão de ser jornalista, uma profissão que não era muito promissora na época em que eu a escolhi, foi dela, que cursou apenas até o quarto ano primário, que eu herdei o gosto pela escrita.
Apesar de alguns poucos erros de português - como o “si”, que escrevia em vez de “se”, suas mensagens tinham um conteúdo profundo. Tanto que, em 1988 minha cunhada Jacqueline teve a feliz idéia de reunir só os seus poemas em um livro, de um único exemplar. Vou agora organizar as todas suas escritas e ampliar essa publicação para presentear as pessoas que lhe eram queridas.
As cartas que trocávamos, na verdade, serviam mais para evitar brigas e discussões. Por meio do papel resolvíamos nossas discordâncias e revelávamos nossos pensamentos e sentimentos. Também escrevíamos nos momentos de felicidade, para manifestar nossas alegrias pelas conquistas ou para eternizar datas.
Muitos de meus amigos foram alvo de suas poderosas cartinhas. Sua intenção era a de que eles refletissem sobre o momento que enfrentam, geralmente de dificuldades. Para a Rosa Guedes Tavares, que em um Dia das Mães revelou-lhe a vontade de parir, ela foi mais além: tricotou um sapatinho de lã e pediu que no ano seguinte o levasse “cheio” em sua casa. No ano seguinte, lá estava a Rosa e o Tavares com a Renatinha no colo.
Meio bruxa, meio fada, mas muito sensitiva, não dava para esconder nada da dona Lena. Ela sempre descobria. Entre seus tantos méritos está a sua generosidade. Adorava receber a todos, em sua casa, com suas famosas sopas de capeleti, seus torteli, cipoli e bolinhos de chuva. O café estava sempre fresquinho, dado o grande número de visitas que recebia. Foi ela quem nos ensinou a receber bem a todos, a manter as portas de nossas casas sempre abertas e a nunca discriminar ninguém.
Trabalhou sempre pelos pobres. Por mais de 40 anos foi voluntária do MAE Maria Rosa (Sopa do Grameiro). Também contribuiu muito como Lar Campinense de Bem Estar do Menor e com a Casa Bom Pastor. Vestiu muitas crianças e bebezinhos com seus paletozinhos, toucas e sapatinhos de flanela ou de lã. Mesmo doente, nos últimos meses, ainda tricotava e preparava os enxovalzinhos completos para o Grameiro e para mandar para os pobres de Caconde. Deixou-nos a herança de seu trabalho para ser continuado.
Foram tantos os amigos que apareceram na sua despedida! Prova do tanto que foi e ainda é querida. Não estou triste com a sua partida, pois sei que ela é um espírito que deve estar em paz. Só gostaria de saber quem a estava esperando do lado de lá e como está sendo a sua recuperação. Mas confio em Deus e sei que, logo, logo, ela será incumbida de uma nova missão. Ela só precisa descansar um pouco. Afinal, não deve ter sido fácil cuidar da Regina, da Kelly, da Neusinha, do Carlinhos e de mim. Valeu, mamãe! Você foi massa. Obrigada por estar conosco nesta vida. Eu te amo. Você é uma linda fofa!