sábado, 28 de maio de 2011

Vida cigana

Embora eu esteja em plena viagem de férias, só estou escrevendo a coluna esse mês porque a Neusinha Mafissioni e a Glaucia Crepaldi reclamaram da minha ausência no jornal. Fiquei tão feliz que prometi não falhar mais. Como estou longe, não tenho como pedir a ajuda dos amigos, mas aqui vai. Por sugestão do Clovinho, vou relembrar da época em que o Chapadão foi “invadido” por ciganos.
Quem morou no Castelo no final das década de 1960 e início dos anos 1970 deve lembrar-se da grande quantidade de barracas que durante anos ocuparam os terrenos baldios alheios, entre as casas recém construídas no loteamento que foi criado nas terras da antiga Fazenda Chapadão.
Creio que esse foi o primeiro bairro – ou um dos primeiros - escolhido pelos imigrantes, vindos principalmente da Romênia, para viver em Campinas. O inusitado para nós é que os nossos novos vizinhos moravam em tendas, sem energia elétrica e água encanada e tinham costumes bem diferentes dos nossos. Acho que foram os primeiros estrangeiros que conheci, além dos meus avôs.
Os moradores os viam com curiosidade, espanto e, alguns, até com medo. Afinal, ninguém sabia ao certo de onde vinham o que faziam aquelas pessoas. Os comentários eram de que viviam da venda de tachos de cobre e outros objetos artesanais.
Como ocupavam terrenos que nem deles eram, com a autorização de alguns moradores mais tolerantes faziam “gatos” na rede de energia elétrica e emprestavam a água das casas vizinhas. Alguns moradores reclamavam, mas meus pais nunca se incomodaram com isso.
Uma das famílias instalou uma barraca bem em frente à nossa casa, na Rua Ibsen da Costa Manso, e, por isso, era comum vê-los enchendo baldes de água nas torneiras de nosso jardim.
Lembro-me das ciganas banhando-se e aos seus filhos em bacias, ocultadas apenas por longos tecidos coloridos pendurados em cordas, como se secassem em um varal. Também me recordo dos comentários que corriam pelo bairro pelo fato das ciganas não terem vergonha de sacar o peito em público para dar de mamar às crianças, numa época complicada e moralista quando as campanhas de conscientização sobre a importância da amamentação materna sequer eram cogitadas para exibição nas emissoras de TV.
Seus modos e costumes eram, simplesmente, diferentes e, por isso, talvez provocassem um misto de admiração e indignação nas pessoas que começavam a povoar o bairro. A grande herança que temos de meus pais foi o ensinamento de sempre aceitar a todos como amigos e a nunca discriminar ninguém. Descontadas as brigas comuns entre as crianças, nosso relacionamento com os ciganos sempre foi muito bom.
Cética, minha mãe só não gostava quando alguma cigana oferecia-se para ler a sua mão em troca de alguns trocados. Sempre com respostas prontas, dona Lena devolvia:
-Não, obrigada. Mas se quiser eu posso ler a sua, respondia, para encerrar de vez a conversa.
Depois de um tempo vivendo em barracas, os ciganos começaram a adquirir os terrenos e a construir casas. Como meu pai ajudou na construção de muitas delas ou fez a parte de marcenaria daquelas residências, os ciganos passaram a nos convidar para as suas festas. As de casamento lembro-me bem, duravam três dias. Uma delas foi realizada pela simpática família do Emilio Bechara (acho que era esse o seu nome), que morava na esquina da Rua Bento da Silva Leite com a Avenida João Erbolato.
Nos terrenos desocupados foram montadas imensas barracas com mesas e bancos de madeira. A comida era muito farta, com direito a porco assado no rolete. As ciganas, com suas saias longas e coloridas e suas blusas ousadamente decotadas para a época, enfeitaram-se ainda mais, abusando do dourado nas vestimentas. As casadas distinguiam-se das solteiras pelo lenço que usavam na cabeça.
Embora construíssem casas grandes, as moradias dos ciganos, naquela época, dificilmente tinham portas, armários e acabamentos. Tão pouco móveis. A estrutura interna continuava sendo a das barracas, com panos pendurados nos ambientes e o único conforto eram os tapetes espalhados pelo chão. Depois de um tempo eles deixaram o Castelo e começaram a construir no Alto do Jardim Eulina e Taquaral. Perdemos totalmente o contato e hoje nem sei mais onde estão.
Em tempo. Esse mês tem a festa Junina da Igreja Cristo Rei. Estarei por lá, na barraca de minipizza, ajudando o Clovinho e a Lazinha. Que tal nos reunirmos para um quentão? Espero por vocês.

Um comentário:

  1. Tive muito contato com familia ciganas na região do chapadão, Rua Sampaio Vidal em 1964 Familias animadas e com muitas festas, interessante seu texto Vera, e também o que mais lembro das casas do ciganos, gente boa, era de seus cômodos eram pitadas um cada cor, e cores bem fortes, e nas faixadas externas as casas eram bastantes colorias, que saudade daqueles povo.

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